29/06/2016

Não sei quantas almas tenho - Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho
Cada momento mudei
Continuamente me estranho
Nunca me vi nem acabei
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou vejo
Torno-me eles e não eu
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou

Por isso, alheio, vou tendo
Como página, meu ser.
O que passou a esquecer
Noto à margem do que li
O que julguei que senti
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.

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