"Com
frequência, ao falar de alfabetização, este termo é assimilado ao domínio dos
procedimentos de leitura e escrita. Talvez para você “alfabetização” signifique
exatamente isso. Embora não pretenda convencê-lo de outra coisa, gostaria de
lhe explicar por que esta definição do processo me parece restritiva e mesmo
sutilmente enganosa.
A
alfabetização é um processo através do qual as pessoas aprendem a ler e a
escrever. Estes procedimentos, porém, vão muito além de certas técnicas de
translação da linguagem oral para a linguagem escrita. O domínio da leitura e
da escrita pressupõe o aumento do domínio da linguagem oral, da consciência
metalinguística (isto é, da capacidade de manipular e refletir intencionalmente
sobre a linguagem; deveremos nos ocupar dele ao longo deste capítulo) e
repercute diretamente nos processos cognitivos envolvidos nas tarefas que
enfrentamos (para não mencionar o que significam em nível de inserção e atuação
social). Tolchinky (1990) analisou recentemente alguns destes aspectos.
Por
outro lado, a restrição da noção de alfabetização à linguagem escrita pode ser
fruto de uma interpretação errônea, segundo a qual esta requer instrução
formal, enquanto a linguagem oral se desenvolve de forma natural; isto explica
que exista um processo concreto, o da alfabetização, que integra essa instrução
e seu resultado.
O
errôneo da interpretação anterior não recai precisamente no fato de se
considerar que a linguagem escrita requer uma instrução explícita, mas em
considerar que a linguagem oral a não requer. Em ambos os casos é necessária a
presença de um adulto, de um meio social, que ajude a criança em um processo de
aprendizagem que ocorre na interação educativa, seja de tipo formal, como
acontece na escola, seja informal, como no caso da família.
Gostaria
de acrescentar também que é frequente apontar a repercussão da linguagem oral
na aprendizagem do sistema da língua escrita, e com isso todos concordamos.
Entretanto, o que a definição tradicional de “alfabetização” não acolhe é a
repercussão do segundo sobre o primeiro. É provável que você concorde se eu
disser que as pessoas que aprenderam a ler e a escrever costumam ser usuários
mais competentes da linguagem – de todo a linguagem – do que os que não
passaram por essa aprendizagem.
Por
isso proponho a definição de Garton e Pratt 91991) como a mais ajustada àquilo
que realmente seria a alfabetização:
“[...]
O domínio da linguagem falada e leitura e da escrita [...]. Uma pessoa
alfabetizada tem a capacidade de falar, ler e escrever com outra pessoa e a
consecução da alfabetização implica aprender a falar, ler e escrever de forma
competente (p. 19-20)”.
É
lógico que existem diferenças substanciais entre a linguagem oral e a linguagem
escrita, que não serão tratadas por enquanto. Mas o fato de dispor de uma
definição ampla de alfabetização pode ser útil quando se pretende avançar na
compreensão do processo que nos leva a ser leitores eficientes.
Neste
processo, um marco fundamental é o constituído pela aprendizagem das
habilidades de decodificação. Devo lhe confessar – acho que agora já posso
fazer isso – que a abordagem deste tema sempre me preocupa. São tantas e
apaixonadas as discussões que se suscitam sobre o fato da necessidade de
ensinar ou não tais habilidades e, em caso afirmativo, sobre a forma em que é
preciso fazê-lo, que não posso evitar uma certa prevenção na hora de
manifestar-me em torno de um assunto polêmico como esse. No entanto, darei
minha opinião".
SOLÉ, Isabel. Alfabetização. In: ______. Estratégias
de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998. p. 50-51.
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