Leia a crônica a seguir para responder às questões
de 01 até 05.
Defenestração
Certas palavras têm significado
errado. Falácia, por exemplo, devia ser o nome de alguma coisa vagamente
vegetal. As pessoas deveriam criar falácias em todas as suas variedades. A
Falácia Amazônica. A misteriosa Falácia Negra.
Hermeneuta
deveria ser o membro de uma seita de andarilhos herméticos. Onde eles
chegassem, tudo se complicaria.
- Os hermeneutas estão chegando!
- Ih, agora é que ninguém vai entender
mais nada... Os hermeneutas ocupariam a cidade e paralisariam todas as
atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem
deixariam a população prostrada pela confusão. Levaria semanas até que as
coisas recuperassem seu sentido óbvio. Antes disso, tudo pareceria ter sentido
oculto.
- Alô...
- O que é que você quer dizer com isso?
- Traquinagem devia ser uma peça
mecânica.
- Vamos ter que trocar a traquinagem. E
o vetor está gasto.
- Plúmbeo devia ser o barulho que um
corpo faz ao cair na água.
- Mas nenhuma palavra me fascinava tanto
quanto defenestração.
- A princípio foi o fascínio da
ignorância. Eu não sabia o seu significado, nunca me lembrava de procurar no
dicionário e imaginava coisas. Defenestrar devia ser um ato exótico praticado
por poucas pessoas. Tinha até um certo tom lúbrico. Galanteadores de calçada
deviam sussurrar no ouvido das mulheres:
- Defenestras?
- A resposta seria um tapa na cara. Mas
algumas... Ah, algumas defenestravam.
- Também podia ser algo contra pragas e
insetos. As pessoas talvez mandassem defenestrar a casa. Haveria, assim,
defenestradores profissionais.
- Ou quem sabe seria uma daquelas
misteriosas palavras que encerravam os documentos formais?
- “Nestes termos, pede
defenestração...”. Era uma palavra cheia de implicações. Devo até tê-lo usado
uma ou outra vez, como em:
- Aquele é um defenestrado.
- Dando
a entender que era uma pessoa, assim, como dizer? Defenestrada. Mesmo errada,
era a palavra exata.
- Um
dia, finalmente, procurei no dicionário. E aí está o Aurelião que não me deixa
mentir. “Defenestração” vem do francês “defenestration”. Substantivo feminino.
Ato de atirar alguém ou algo pela janela.
- Ato
de atirar alguém ou algo pela janela! Acabou a minha ignorância mas não a minha
fascinação. Um ato como este só tem nome próprio e lugar nos dicionários por
alguma razão muito forte. Afinal, não existe, que eu saiba, nenhuma palavra
para o ato de atirar alguém ou algo pela porta, ou escada abaixo. Por que,
então, defenestração?
[...]
- Com prédios de três, quatro andares,
ainda era admissível. Até divertido. Mas daí para cima vira crime. Todas as
janelas do quarto andar para cima devem ter um cartaz: “Interdit de
defenestrer”. Os transgressores serão multados. Os reincidentes serão presos.
- Na
Bastilha, o Marquês de Sade deve ter convivido com notórios defenestreurs. E a
compulsão, mesmo suprimida, talvez ainda persista no homem, como persiste na
sua linguagem. O mundo pode estar cheio de defenestradores latentes.
- É esta estranha vontade de atirar
alguém ou algo pela janela, doutor...
- Hmm. O impulsus defenestrex de que
nos fala Freud. Algo a ver com a mãe. Nada com o que se preocupar – diz o
analista, afastando-se da janela.
- Quem
entre nós nunca sentiu a compulsão de atirar alguém ou algo pela janela? A
basculante foi inventada para desencorajar a defenestração. Toda a arquitetura
moderna, com suas paredes externas de vidro reforçado e sem aberturas, pode ser
uma reação inconsciente a esta volúpia humana, nunca totalmente dominada.
[...]
- Uma
multidão cerca o homem que acaba de cair na calçada. Entre gemidos, ele aponta
para cima e balbucia:
- Fui defenestrado... Alguém comenta:
- Coitado. E depois ainda atiraram ele
pela janela!
- Agora
mesmo me deu uma estranha compulsão de arrancar o papel da máquina, amassá-lo e
defenestrar esta crônica. Se ela sair é porque resisti.
VERÍSSIMO,
Luís Fernando. Para gostar de ler – v.14. 3 Ed. São Paulo: Ática, 1995, p.82-4.
1- (RHS Consult/2016) Em linhas gerais, podemos afirmar que o texto, de um modo
engraçado, questiona:
(A) A incapacidade das pessoas de imaginar.
(B) O significado de algumas palavras.
(C) A ignorância dos hermeneutas.
(D) A compulsão pela linguagem.
(E) O tom lúbrico das palavras.
2- (RHS Consult/2016) A respeito da palavra “defenestração”, o cronista diz ter
procurado seu significado no dicionário “Aurelião”. De acordo
com o texto e considerando o significado que ele encontrou, a
palavra se classifica como um substantivo feminino.
Considerando uma passagem anterior no texto, a mesma
palavra poderia ser classificada como:
(A) Conjunção.
(B) Advérbio.
(C) Pronome.
(D) Verbo.
(E) Artigo
3- (RHS Consult/2016) De acordo com texto, ser um “defenestrador latente” significa:
(A) Ser um galanteador que gosta de sussurrar no ouvido
das mulheres.
(B) Ter a astúcia de descobrir o sentido oculto das palavras.
(C) Sentir a compulsão de atirar alguém ou algo pela janela.
(D) Ter um fascínio pela ignorância.
(E) Ser capaz de causar confusão.
4- (RHS Consult/2016) Leia a passagem a seguir:
As pessoas deveriam criar falácias em todas as suas
variedades.
Tendo em vista o sentido original de “falácia”, ao substituí-la
por um sinônimo, tem-se:
(A) As pessoas deveriam criar consciências em todas as
suas variedades.
(B) As pessoas deveriam criar falsidades em todas as suas
variedades.
(C) As pessoas deveriam criar verdades em todas as suas
variedades.
(D) As pessoas deveriam criar lealdades em todas as suas
variedades.
(E) As pessoas deveriam criar dignidades em todas as suas
variedades.
5- (RHS Consult/2016) Considere a passagem a seguir:
Os hermeneutas ocupariam a cidade e paralisariam todas as
atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas.
Ao se retirarem deixariam a população prostrada pela
confusão.
Os verbos assinalados estão no futuro do pretérito. Ao passá-
los para o pretérito mais que perfeito, preservando as
relações de concordância e a articulação verbal entre eles,
tem-se:
(A) Os hermeneutas ocupou a cidade e paralisou todas as
atividades produtivas com seus enigmas e frases
ambíguas. Ao se retirarem deixaram a população
prostrada pela confusão.
(B) Os hermeneutas ocupariam a cidade e paralisarão todas
as atividades produtivas com seus enigmas e frases
ambíguas. Ao se retirarem deixarem a população
prostrada pela confusão.
(C) Os hermeneutas ocuparão a cidade e paralisaram todas
as atividades produtivas com seus enigmas e frases
ambíguas. Ao se retirarem deixariam a população
prostrada pela confusão.
(D) Os hermeneutas ocuparam a cidade e paralisaram todas
as atividades produtivas com seus enigmas e frases
ambíguas. Ao se retirarem deixaram a população
prostrada pela confusão.
(E) Os hermeneutas ocuparem a cidade e paralisarem todas
as atividades produtivas com seus enigmas e frases
ambíguas. Ao se retirarem deixarão a população
prostrada pela confusão.
Gabarito
1- B; 2- D; 3- C;4- B;5 D.
Nenhum comentário:
Postar um comentário