27/12/2017

SIMULADO - língua portuguesa (RHS Consult/2016)

       Leia a crônica a seguir para responder às questões de 01 até 05.

Defenestração
          
     Certas palavras têm significado errado. Falácia, por exemplo, devia ser o nome de alguma coisa vagamente vegetal. As pessoas deveriam criar falácias em todas as suas variedades. A Falácia Amazônica. A misteriosa Falácia Negra.

       Hermeneuta deveria ser o membro de uma seita de andarilhos herméticos. Onde eles chegassem, tudo se complicaria.
       - Os hermeneutas estão chegando!
     - Ih, agora é que ninguém vai entender mais nada... Os hermeneutas ocupariam a cidade e paralisariam todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixariam a população prostrada pela confusão. Levaria semanas até que as coisas recuperassem seu sentido óbvio. Antes disso, tudo pareceria ter sentido oculto.
        - Alô...
- O que é que você quer dizer com isso?
- Traquinagem devia ser uma peça mecânica.
- Vamos ter que trocar a traquinagem. E o vetor está gasto.
- Plúmbeo devia ser o barulho que um corpo faz ao cair na água.
- Mas nenhuma palavra me fascinava tanto quanto defenestração.
- A princípio foi o fascínio da ignorância. Eu não sabia o seu significado, nunca me lembrava de procurar no dicionário e imaginava coisas. Defenestrar devia ser um ato exótico praticado por poucas pessoas. Tinha até um certo tom lúbrico. Galanteadores de calçada deviam sussurrar no ouvido das mulheres:
- Defenestras?
- A resposta seria um tapa na cara. Mas algumas... Ah, algumas defenestravam.
- Também podia ser algo contra pragas e insetos. As pessoas talvez mandassem defenestrar a casa. Haveria, assim, defenestradores profissionais.
- Ou quem sabe seria uma daquelas misteriosas palavras que encerravam os documentos formais?
- “Nestes termos, pede defenestração...”. Era uma palavra cheia de implicações. Devo até tê-lo usado uma ou outra vez, como em:
- Aquele é um defenestrado.
       - Dando a entender que era uma pessoa, assim, como dizer? Defenestrada. Mesmo errada, era a palavra exata.
       - Um dia, finalmente, procurei no dicionário. E aí está o Aurelião que não me deixa mentir. “Defenestração” vem do francês “defenestration”. Substantivo feminino. Ato de atirar alguém ou algo pela janela.
       - Ato de atirar alguém ou algo pela janela! Acabou a minha ignorância mas não a minha fascinação. Um ato como este só tem nome próprio e lugar nos dicionários por alguma razão muito forte. Afinal, não existe, que eu saiba, nenhuma palavra para o ato de atirar alguém ou algo pela porta, ou escada abaixo. Por que, então, defenestração?
          [...]
         - Com prédios de três, quatro andares, ainda era admissível. Até divertido. Mas daí para cima vira crime. Todas as janelas do quarto andar para cima devem ter um cartaz: “Interdit de defenestrer”. Os transgressores serão multados. Os reincidentes serão presos.
          - Na Bastilha, o Marquês de Sade deve ter convivido com notórios defenestreurs. E a compulsão, mesmo suprimida, talvez ainda persista no homem, como persiste na sua linguagem. O mundo pode estar cheio de defenestradores latentes.
         - É esta estranha vontade de atirar alguém ou algo pela janela, doutor...
        - Hmm. O impulsus defenestrex de que nos fala Freud. Algo a ver com a mãe. Nada com o que se preocupar – diz o analista, afastando-se da janela.
        - Quem entre nós nunca sentiu a compulsão de atirar alguém ou algo pela janela? A basculante foi inventada para desencorajar a defenestração. Toda a arquitetura moderna, com suas paredes externas de vidro reforçado e sem aberturas, pode ser uma reação inconsciente a esta volúpia humana, nunca totalmente dominada.
          [...]
       - Uma multidão cerca o homem que acaba de cair na calçada. Entre gemidos, ele aponta para cima e balbucia:
          - Fui defenestrado... Alguém comenta:
          - Coitado. E depois ainda atiraram ele pela janela!
        - Agora mesmo me deu uma estranha compulsão de arrancar o papel da máquina, amassá-lo e defenestrar esta crônica. Se ela sair é porque resisti.
                                                                                   
                                  VERÍSSIMO, Luís Fernando. Para gostar de ler – v.14. 3 Ed. São Paulo: Ática, 1995, p.82-4.

1- (RHS Consult/2016) Em linhas gerais, podemos afirmar que o texto, de um modo engraçado, questiona: 

(A) A incapacidade das pessoas de imaginar. 
(B) O significado de algumas palavras. 
(C) A ignorância dos hermeneutas. 
(D) A compulsão pela linguagem. 
(E) O tom lúbrico das palavras. 

2- (RHS Consult/2016) A respeito da palavra “defenestração”, o cronista diz ter procurado seu significado no dicionário “Aurelião”. De acordo com o texto e considerando o significado que ele encontrou, a palavra se classifica como um substantivo feminino. Considerando uma passagem anterior no texto, a mesma palavra poderia ser classificada como: 

(A) Conjunção. 
(B) Advérbio. 
(C) Pronome. 
(D) Verbo. 
(E) Artigo

3- (RHS Consult/2016) De acordo com texto, ser um “defenestrador latente” significa: 

(A) Ser um galanteador que gosta de sussurrar no ouvido das mulheres. 
(B) Ter a astúcia de descobrir o sentido oculto das palavras. 
(C) Sentir a compulsão de atirar alguém ou algo pela janela. 
(D) Ter um fascínio pela ignorância. 
(E) Ser capaz de causar confusão.

4- (RHS Consult/2016) Leia a passagem a seguir: As pessoas deveriam criar falácias em todas as suas variedades. Tendo em vista o sentido original de “falácia”, ao substituí-la por um sinônimo, tem-se: 

(A) As pessoas deveriam criar consciências em todas as suas variedades. 
(B) As pessoas deveriam criar falsidades em todas as suas variedades. 
(C) As pessoas deveriam criar verdades em todas as suas variedades. 
(D) As pessoas deveriam criar lealdades em todas as suas variedades. 
(E) As pessoas deveriam criar dignidades em todas as suas variedades.

5- (RHS Consult/2016) Considere a passagem a seguir: Os hermeneutas ocupariam a cidade e paralisariam todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixariam a população prostrada pela confusão. Os verbos assinalados estão no futuro do pretérito. Ao passá- los para o pretérito mais que perfeito, preservando as relações de concordância e a articulação verbal entre eles, tem-se: 

(A) Os hermeneutas ocupou a cidade e paralisou todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixaram a população prostrada pela confusão. 
(B) Os hermeneutas ocupariam a cidade e paralisarão todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixarem a população prostrada pela confusão. 
(C) Os hermeneutas ocuparão a cidade e paralisaram todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixariam a população prostrada pela confusão. 
(D) Os hermeneutas ocuparam a cidade e paralisaram todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixaram a população prostrada pela confusão. 
(E) Os hermeneutas ocuparem a cidade e paralisarem todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas. Ao se retirarem deixarão a população prostrada pela confusão.

Gabarito

1- B; 2- D; 3- C;4- B;5 D.

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